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Como fica a geopolítica na era do coronavírus

  • Foto do escritor: Jeferson Alexandre Miranda
    Jeferson Alexandre Miranda
  • 30 de mar. de 2020
  • 5 min de leitura

A enorme tempestade Covid-19 está, sem dúvida, ainda em seu começo. E por que digo isso? Por que ela ainda não chegou realmente ao Sul pobre, por exemplo, não chegou aos inúmeros bolsões de miséria do planeta em Miamar, Iêmen, Sudão do Sul, nos campos de refugiados do Paquistão ou na Índia, ou em Idlib na Síria. Se chegou nossas informações são escassez.


Os efeitos econômicos, cíclicos e estruturais completos ainda não são visíveis, mas, de qualquer forma, serão gigantescos. Portanto, seria arriscado apresentar uma teoria geral da geopolítica da pandemia. No entanto, não devemos começar a pensar nos possíveis impactos que o vírus terá na política internacional?

Com este objetivo, proponho começar a partir de uma observação de que a pandemia atua como uma revelação das características do nosso mundo atual. Duas dessas características se destacam: a fraqueza dos chefes de Estado no mundo – principalmente na área da saúde – e por um lado; e uma mudança no centro de gravidade do equilíbrio de poder que podem migrar dos antigos polarizados para novos atores internacionais.

No campo da governança global, a crise do Covid-19 aparece antes de tudo como uma crise de capacidade de antecipação da comunidade internacional. Para entender isso, basta assistir à palestra de Bill Gates em 2015, disponível no YouTube. No vídeo, temos Bill Gates falando sobre as lições da luta para conter a propagação do Ebola, o “dono” da Microsoft diz no vídeo: (palavras de Bill Gates) "desta vez, tivemos sorte". Por que ele diz isso? Por que naquela ocasião a epidemia havia eclodido em uma região relativamente desconectada do mundo, a África Ocidental, distante de grandes concentrações urbanas; desta maneira equipes internacionais foram capazes de intervir rapidamente; e, vale lembrar que acima de tudo, a doença era transmitida por fluidos. Citando novamente Bill Gates ele diz:


Na próxima vez, se não estivermos preparados, a doença pode custar milhões de vidas e ter um enorme impacto econômico. A próxima poderia "se espalhar pelo ar, alcançar pessoas que apenas sentiriam os primeiros sintomas com atraso e ainda pudessem viajar de trem e avião ”.


Aqui estamos hoje.


Um relatório ainda mais antigo da CIA publicado em 2009,O State of the World 2025 declarou: “ Se uma doença pandêmica ocorrer, ela estará em uma área densamente povoada, com grande proximidade entre seres humanos e animais, como existe em alguns mercados da China ou do Sudeste Asiático, onde as pessoas vivem perto de gado ”. O único elemento que faltava nas previsões da CIA era uma indicação topográfica mais específica: um mercado em Wuhan. O que os analistas de inteligência americanos mais temiam era "uma nova doença respiratória humana virulenta e altamente contagiosa".


Deve-se acrescentar que, durante alguns anos, outras instituições mundiais, como o Banco Mundial, por exemplo, soaram fizeram a mesma previsão e foram chamadas de “alarmistas”, como se diz aqui no Brasil? “Histéricas”. Não faltaram “alertas em larga escala”, identificados como “emergências internacionais de saúde” pela Organização Mundial da Saúde (OMS): são casos o H1N1 em 2009, Poliomielite e Ebola em 2014, Zika em 2016, Zika em 2016, Ebola novamente em 2019.


Por que, portanto, vemos essa falta de resposta coordenada em nível internacional? Pode-se argumentar que os riscos à saúde nunca provocaram uma mobilização internacional significativa, esse tipo de defesa sempre atrai a escassa atenção dos líderes políticos mundiais. Assim, a crise financeira de 2008 foi objeto de uma resposta criativa – a invenção do G20 - e de solidariedade com todos os principais países. Outro momento de convergência internacional foi a COP21 e o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas. Mas olhando para o passado recente neste nosso século XXI, esses dois episódios tenham sido exceções e não a norma.


O que observamos diariamente no gerenciamento do Covid-19 está muito mais alinhado com a realidade da governança global atual. A globalização do comércio continuou nos últimos anos, embora em um ritmo mais lento, enquanto ao mesmo tempo a fragmentação e tensões políticas prevaleciam na política internacional.


A “competição das grandes potências” - dominada praticamente pela rivalidade entre os Estados Unidos e China e a Rússia - tornou-se o fator dominante. Instituições internacionais entraram em uma fase de enfraquecimento, devido em parte a uma retirada americana e em parte da discórdia entre as principais potências. Daqui resulta a fraqueza da no papel central que deveria ter na crise do Covid-19.

Vale lembrar que ela foi informada tarde demais pela China, que mais preocupada com política e economia inicialmente ignorou a potencialidade do vírus.


A “competição das grandes potências” não apenas coloca a solidariedade internacional em segundo plano, mas, acima de tudo, se traduz em uma surpreendente competição de “poder brando” entre a China e seus principais rivais.


O maior temor é que a pandemia possa estimular ainda mais o debate entre autoritarismo, populismo e liberalismo – que tem dominado a pauta de discussões desde 2015. É muito cedo para saber como será esse se isso vai se confirmar, até por que, para alguns a escala da crise pode levar a uma reabilitação de especialistas, instituições e cooperação internacional e desvalorizar a abordagem mais populista dos populistas.


Fazendo uma análise do cenário atual vemos que a maioria, se não todos, governos e regimes precisam enfrentar um teste de estresse com o Covid-19. É o caso de regimes que já estão em dificuldade, como o Irã, que está particularmente exposto a uma crise que supera as atuais. Teerã pediu pela primeira vez ao FMI ajuda. Para Putin, a crise o ajudará a passar por suas reformas constitucionais, garantindo a extensão de seu poder, ou complicará a estranha batalha pelos preços do petróleo que ele travou contra a Arábia Saudita e, indiretamente, os Estados Unidos?


Mas o mesmo se aplica aos líderes democráticos cuja credibilidade aos olhos da opinião pública está diretamente em jogo. Donald Trump não verá suas chances de reeleição diminuídas?


Bolsonaro, aqui no Brasil, cai no ridículo diante do Covid-19, enquanto Modi, na Índia, está se deparando com as contradições que seu nacionalismo hindu criou. Salvini na Itália está lutando para se equilibrar, explorando a onda anti-Bruxelas da opinião italiana, mas é limitado em sua capacidade de criticar o governo de Conte por causa de sua popularidade. Boris Johnson? Que momento trágico para a Inglarra e seu Brexit.

Quais seria cenários possíveis? Apresento alguns:


· Retorno ao passado : superamos a crise, a um custo muito maior do que durante a SARS (2003), mas sem deixar muito mais marcas a longo prazo. Isso geraria uma certa inércia por parte da comunidade internacional, que voltaria às suas brigas habituais, com mudanças pequenas em certas políticas no campo da saúde global. Dado o que já sabemos sobre a intensidade da crise, esse não é o cenário mais provável.


· A ascensão do Globalismo e do autoritarismo: nesta hipótese, a atual pandemia marca a consagração de uma nova dinâmica de poder que vimos sendo desencadeada desde 2015 com o enfraquecimentos ainda maior das instituições internacionais e um aumento conservadorismo nacionalista, restrições de circulação de pessoas e protecionismo econômico marcado por políticas bilaterais.


· Uma explosão da Globalização 4.0: O mundo acorda para uma perspectiva em que a tarefa dos grandes governantes é reinvestir em instituições internacionais e reconectar-se à posição natural de um mundo global realmente multipolar e livre. Uma nova vanguarda despertará para uma revitalização da governança global. Veremos um fortalecimento de órgãos como o G20, a fim de lidar com as consequências econômicas e outras da pandemia.

 
 
 

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