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O Apagamento da História – Como a contextualização debate o olhar arqueológico.

  • Foto do escritor: Jeferson Alexandre Miranda
    Jeferson Alexandre Miranda
  • 28 de jul. de 2020
  • 4 min de leitura

Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, passou a ser o centro de uma discussão por causa da estátua do bandeirante Borba Gato. Não é a primeira vez que a escultura é alvo de ações que defendem a derrubada de monumentos que mitificam os personagens dos bandeirantes, responsáveis pela escravização de povos afrodescendentes e indígenas. Borba Gato construiu uma fortuna, na segunda metade do século XVIII, ao aprisionar indígenas através das expedições bandeirantes do ciclo do apresamento ao índio. Em setembro de 2016, a estatua já havia sido alvo de atos de protestos quando foi manchada de tinta, em repúdio ao seu legado, assim como como o Monumento às Bandeiras, na praça Armando Salles de Oliveira, no Ibirapuera.


A humanidade erigiu monumentos para fins simbólicos por pelo menos 11.000 anos. O registro arqueológico contém exemplos de todo o mundo e ao longo da história humana figuras foram criadas, exibidas, esquecidas e frequentemente, deliberadamente, destruídas.


Essa recorrência milenar leva a certas perguntas sobre os monumentos e suas funções ao longo do seu tempo de vida, e as ideias derivadas da reflexão sobre essas questões podem lançar luz sobre a situação vivenciada no presente.


“Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”, escreveu Walter Benjamin. Erguidas quase sempre com recursos do erário, estátuas como as citadas não são propriedades privadas, mas patrimônio público sobre o qual todos têm os mesmos direitos de propriedade e usufruto, inclusive o de querer e tentar derrubá-las ou mantê-las.

Segundo Bobbio ao usar a expressão público como oposto a privado estamos nos referindo à coisa pública, á res publica, aos temas e problemas concernentes às regras da vida em sociedade. Ao usar a expressão público como oposto de secreto estamos nos referindo a tudo aquilo que recebeu publicidade, que foi publicizado, tornado público.

A dinâmica do poder também está inerentemente quando os monumentos são construídos e exibido. Se um sistema de poder - governo, tipicamente – ergue-o em público, ou permite que uma organização menor o faça, os poderes dominantes em uma dada sociedade estão monitorando e apoiando ativa ou passivamente a construção desse símbolo aos olhos do público. Além disso, há sempre a intenção por trás da construção, e, portanto, através da aprovação e execução de um monumento proposto, as estruturas de poder são cúmplices de qualquer intenção que conduziu a essa construção. Portanto, por essas estruturas de poder não apenas apoiam, mas legitimam à intenção por trás delas.


Os governos ou subgrupos dominantes em uma sociedade costumam usar monumentos como uma ferramenta para transformar o espaço público na tentativa de unificar a sociedade como um todo ou trazer muitos indivíduos juntos com base em um sentimento ou causa comum.


Os monumentos cumprem um papel muito específico aos olhos do público como símbolos que transformam o espaço, na maioria das vezes através da comemoração de uma pessoa ou evento, e se destina a inspirar admiração e representar as ideologias dominantes de uma sociedade, em uma época. A estátua de Borba Gato ou o colossal Monumento às Bandeiras são dois exemplos de monumentos comuns que foram esculpidos em homenagem aos personagens que sofreram uma releitura histórica na década de 1930 a partir da necessidade da recriação da história paulista, principalmente durante a Revolução Constitucionalista de 1932, com o objetivo de ressignificar o ideal paulista de condutor da nação brasileira.


A remoção dos monumentos aos bandeirantes não altera a história da dominação do colonizador sobre os povos da terra ou mesmo sobre o afrodescendente. Neste sentido uma vertente de pessoas defende a “museologização” dessas obras, isto é, a retirada delas e o envio para espaços onde a história delas possam ser debatidas e contextualizadas de forma mais sistêmica ou acadêmica/pedagógica.


Para outra vertente, não se deve entender que o assunto ‘museologização' dos monumentos contribui de fato para mudar os contextos sistêmicos dos objetos e os converte em objetos do passado dos quais podemos aprender. É fato que essa discussão, como se verificou em nosso debate, está longe de um consenso uma vez que a "museologização" é apenas uma em uma lista de opções.


Os monumentos se encaixam em um padrão ao longo da história da humanidade, eles foram erguidos para transformar espaços públicos e afirmar certos ideais de um subgrupo dominante da sociedade que têm desde sua construção sobrevivido ao seu propósito original. Dado que a 'preservação do patrimônio' na medida em que vemos agora é um ideal ocidental relativamente recente, além dos muitos exemplos de destruição de monumento no registro arqueológico, não é surpreendente, nem sem precedentes, que a função dos monumentos bandeirantes esteja sendo chamada a questão agora.


Os monumentos servem a um propósito complementar à história e se eles estão sendo erguidos ou removido certamente a altera à medida que a sociedade moderna os mantém ou os percebes. Esta discussão somente será profícua se for construtiva no debate do destino dos monumentos desatualizados que se espalham no espaço público de todo o país.


Ao final, fica claro que existe uma necessidade de diálogo entre os passados disciplinares, a academia e sociedade para que diversos grupos possam ser atendidos em suas demandas sociais contemporâneas. A destruição pura e simples de imagens de forma iconoclasta pode muitas vezes apenas contribuir para um apagamento do passado. Deve-se buscar com muito afinco sempre uma reflexão sobre o passado para que se na necessidade de reescreve-lo, que se faça a partir de um trabalho que de voz a todos os atores da construção do passado histórico, inclusive as minorias sociais. Assim poderemos construir uma História mais plural e democrática.

 
 
 

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