O Darwinismo social embutido nos discursos econômicos em tempos de pandemia.
- Jeferson Alexandre Miranda
- 27 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
A forma como governos respondem ao coronavírus revela uma certa visão perturbadora em relação a uma parcela de sua população.
"Sobrevivência do mais forte" é uma frase que filosoficamente remete a tempos mais sórdidos do capitalismo. No século XXI, após os avanços e as conquistas no campo social, esse modo de pensar se tornou particularmente condenável quando dito por pessoas que na liderança deveriam zelar pela vida de seus governados.
Entretanto, tornou-se comum na boca de uma quantidade razoável de pessoas e líderes globais em tempos de pandemia. Não é raro ouvir essa frase com mais frequência, embutida em certos discursos na atual pandemia do COVID-19 . Mas o que isso significa?
Historicamente, a frase foi derivada da teoria evolucionária darwiniana e fala do processo de seleção natural, defendendo que características vantajosas para a sobrevivência de uma espécie são passadas para as gerações futuras às custas de características menos dominantes que eventualmente desaparecem.
Pensadores como o filósofo inglês Herbert Spencer traduziram o pensamento de Charles Darwin para a ciência social e criaram o Darwinismo Social que justificou a tragédia do neocolonialismo e imperialismo do século XIX.
Enterrado pelas conquistas sociais e humanistas do século XX, o darwinismo social parecia uma teoria distante de tempos menos humanos, mas agora parece retornar de forma subentendida nos discursos políticos que defendem a economia frente as medidas sanitárias necessárias para enfrentar a pandemia.
Embora a grande maioria das pessoas tenha aceitado a necessidade de distanciamento social e, pelo que temos visto, aconselhada pelas instituições internacionais e científicas como a OMS, governantes ao redor do mundo, entre eles o presidente brasileiro defendem um discurso de que esta é uma situação apenas temporária e que a crise econômica vindoura será pior que o número de cadáver que se recolhe dia-dia neste momento crítico.
Tenta-se ocultar a maldade desse discurso referindo-se ao número de pessoas mortas por carros todos os anos, por exemplo. Dentro dessa lógica as pessoas morrem, continua o argumento, então por que devemos parar tudo se isso ocorrerá de qualquer maneira?
Reflitamos como esse discurso é na verdade uma defesa de que devemos deixar a seleção natural agir.
O discurso darwinista hora revestido de preocupação econômica afirma que o problema fundamental é desabastecer toda a economia para salvar 2,5% da população de um país que em sua maioria é geralmente mais cara de se manter e não produtiva.
Isso define uma lógica muito cruel e esse raciocínio é ainda mais temerário se for implantado em uma sociedade tão desigual e dominada por classes como o Brasil. É fato que esta política afeta desproporcionalmente os mais pobres e os já vulneráveis, cujo risco é ainda pior por não ter acesso aos cuidados de saúde nem o privilégio de poder enfrentar a pandemia em relativo conforto e segurança. Mas evidentemente é exatamente isso que defensores dessa ideia estão dispostos a sacrificar. De fato, a sugestão é que não é realmente um sacrifício, mas um ganho de eficiência.
Deixar a doença seguir seu curso foi a resposta britânica inicial quando o primeiro-ministro Boris Johnson, Reino Unido, anunciou que o objetivo de combater o coronavírus era alcançar a "imunidade do rebanho". A maioria de nós não está familiarizado com esse conceito, embora seja bastante rotineiro em epidemiologia. A questão, porém, é que a "imunidade do rebanho" é normalmente alcançada através do uso de uma vacina.
Quando pelo menos 90% da população (no caso do sarampo) é inoculada, a doença é restrita porque aqueles que são vacinados protegem aqueles que não são. Nem todo mundo está imune, mas alcançamos a "imunidade do rebanho".
Sem a vacina, é um caso de expor todos (ou pelo menos 60% era a estimativa britânica de coronavírus) e ver quem morre. Continuando a metáfora do rebanho, é efetivamente um abate. Poderíamos dizer que essa é simplesmente a ideia defendida pelo nosso presidente e suas ações vão de encontro a isso.
É comum no discurso da extrema direita conservadora a defensa vociferante da aristocracia oligárquica, crentes na hierarquia social necessária, acreditam que aqueles que estão no topo estão lá porque são inerentemente e até geneticamente superiores.
É o novo darwinismo social de nosso tempo entusiasmado na crença de que a sociedade deve ser organizada para expulsar os fracos. A importância da competição em um sistema capitalista para estes é justamente porque apenas os mais aptos conseguem sobreviver.
Pensando sobre este prisma fica mais fácil entender as opções e políticas públicas adotadas por governantes ao redor do globo neste momento crítico. Não creio que o atraso em dar ajuda financeira aos mais afetados pela crise, o pequeno investimento em testagem em massa, a subnotificação de mortes/contaminados pelo vírus e a defesa para o fim do isolamento social sejam aleatórios. É na verdade a ressurreição da mais angustiante filosofia já empregada pelo capitalismo em tempos de crise.
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